sábado, dezembro 25, 2010
Prendas de Natal
Não é coisa digna de relato. Vivido em família, com os dramas de todas as famílias espalhadas pelo país. Experimentam-se todos os anos fórmulas de viver de forma mais autêntica esse Natal, acolher o Menino. Mas acabamos por notar que não se escapa à fórmula (também já velha) de só mais esta prenda.
A prenda, afinal, não tem de ser diabolizada: pode ser o elo do afecto tantas vezes esquecido ou "obliterado" na agenda dos dias e dos trabalhos de todos nós. Claro que não precisa de ser a prenda de muitos euros, claro que podemos pensar sempre numa partilha com quem precisa. Mas, porventura, o desafio está em multiplicar essas prendas pelos 365 dias do ano. Não é fazer Natal todos os dias, é construir e reforçar os laços e os afectos que sublinhamos (apenas?) nesta época. O Natal pode ser a porta final que se abre de uma caminhada feita com amigos, família, colegas.
Não resisto a trazer um poema de Jean Debruynne, traduzido pelo padre José Manuel Pereira de Almeida.

Ser capaz de olhar o outro
como um filho de Deus
e não como um não-praticante,
vê-lo com a mesma ternura com que Deus o vê,
encontrar o outro como alguém a quem se deve amar
e não como presumível culpado,
É o sinal mais concreto
de que chegou o Natal
e de que é bem verdade
que Deus se fez homem
.

Miguel Marujo, trazido da Terra da Alegria de Dezembro 2004, por cbs

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terça-feira, novembro 09, 2010
As más notícias do Evangelho
O verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo não são só boas notícias. O Evangelho também traz consigo as más. As parangonas do Evangelho são boas novas, mas quem não crer nelas, as notícias más acabarão por se cumprir e condenar o incrédulo.

"E [Jesus] disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for baptizado será salvo; mas quem não crer será condenado." Marcos 16:15-16


Jorge Oliveira
Publicado também no CANTO

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domingo, outubro 17, 2010
Do “mundo sensível” 3 – a redução galileana
Antes de compreender o próprio mundo como mundo da vida (Lebenswelt) – segundo a expressão de Husserl – convém abrir um parêntesis histórico. O mundo sensível é objecto de uma critica radical no início do século XVII. Esta acarreta, paralelamente, uma transformação na concepção tradicional do corpo. É a natureza sensível desse mundo, assim como dos corpos que o compõem, que é posta, brutalmente, em causa e rejeitada. Diversamente das modificações que afectam as grandes civilizações, e se estendem sobre longos períodos, resultando de uma multiplicidade de causas, o acontecimento decisivo, que constitui na história do pensamento humano, a desagregação da concepção ancestral do corpo, resulta de uma decisão intelectual. Tomada por Galileu, no início dos tempos modernos, podemos considerá-la como o acto proto-fundador da ciência moderna e, na medida em que esta vai doravante conduzir o mundo, de toda a Modernidade.

A afirmação categórica de Galileu é que, este corpo sensível que tomamos pelo corpo real – este corpo que se pode ver, tocar, sentir, ouvir, que tem cores, odores, qualidades tácteis, sonoras, etc. – é só uma ilusão, e o universo real não é composto por corpos deste género. É também por isso que o conhecimento do universo real não pode ser o conhecimento sensível considerado, desde sempre, pela Escolástica, como o Sol de todo o saber humano. Na verdade, o universo real é formado de corpos materiais extensos, e esta matéria constitui precisamente a realidade desses corpos e, de igual modo, a do Universo. É este corpo material extenso, provido de formas que se trata de conhecer, e o que é próprio de uma tal substância extensa é a sua delimitação por figuras, apresentando certas formas. Ora, existe uma ciência das figuras e formas puras, adaptada ao conhecimento dos corpos materiais extensos que compõem o universo real: é a Geometria. Ela é a ciência pura, que dá lugar ao conhecimento racional das figuras e das formas, porque em vez de apenas as descrever na sua facticidade, procede mesmo à sua construção ideal. De tal modo que as propriedades geométricas se tornam plenamente compreensíveis e necessárias. Uma necessidade a priori, a partir dessa construção, que desempenha o papel de foco de inteligibilidade. Ao conhecimento sensível dos corpos sensíveis, que dizer, às suas qualidades sensíveis, opõe-se assim, um conhecimento racional das figuras e das formas de corpos reais, extensos, do universo material da Geometria. Enquanto o primeiro dá apenas lugar a proposições singulares, o segundo constrói proposições necessárias, de validade universal e, como tal, cientifica.

Mas a decisão galileana de instaurar um conhecimento geométrico do universo material não procede apenas à fundação da ciência moderna. No plano da realidade, e já não do conhecimento, ela vai operar a substituição do corpo sensível por um corpo até aí desconhecido, o corpo científico. Porque o corpo material extenso, cujas figuras e formas são apreensíveis geometricamente, não é só o corpo inerte das “coisas”, mas é também o do próprio homem. E é isso que é novo, e que abre uma nova era fundada numa concepção inédita do corpo humano, e por consequência, do próprio homem. Assim nasce a pretensão, por parte da ciência geométrica da natureza material, de constituir, doravante, o verdadeiro saber do homem. E, correlativamente, a pretensão, por parte de uma nova técnica, também ela cientifica e material, em si estranha ao homem, de fornecer a verdadeira aproximação ao mesmo homem, de o procurar no mais intimo do seu ser, até no prazer, no coração do seu sofrimento ou do seu desanimo, da sua vida ou da sua morte.
Michel Henri por cbs

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terça-feira, outubro 12, 2010
Do “mundo sensível” 2 – corpos
Segundo a fenomenologia da vida há dois modos fundamentais e irredutíveis de aparecer: o do mundo e o da vida. Então, se tratarmos a questão do corpo e da carne numa perspectiva fenomenológica, dois caminhos - que mais não são do que dois modos de aparecer - se abrem à investigação.
O aparecer do corpo no mundo confunde-se com a experiencia ordinária desse corpo, a ponto de se identificar com ela e de a definir. É esta experiencia mundana do corpo que expressa o saber tradicional da humanidade. Aos olhos do que se chama o "senso comum", que não é senão uma forma de nomear a representação habitual que os homens fazem de si e do que os rodeia, o corpo é um objecto do mundo mais ou menos semelhante aos outros objectos, acessível no mundo, como eles, porque no mundo se mostra.
Essa experiencia ordinária do corpo pode parecer vaga, sem valor, se a referirmos às exigências de um saber verdadeiro. Mas na medida em que um tal corpo se mostra no aparecer do mundo, recebe deste uma determinação fenomenológica e ontológica tão radical como rigorosa. A banalidade das propriedades que manifesta não consegue esconder o seu carácter determinante. Se enquanto modos unificantes (sínteses) de “dar-a-ver”, as intuições puras do espaço e do tempo, são modos de aparecer do mundo inerentes à sua estrutura fenomenológica, então todos os corpos que lhe devem o “mostrar-se-nos” revestem essas determinações essenciais de serem corpos espaciais e temporais. E se, enquanto representações, as categorias do entendimento são elas próprias modos de apresentação – modos do “pôr-diante” – co-pertencentes à estrutura fenomenológica do mundo, então tudo o que está submetido a essas categorias se encontra ligado, segundo o jogo das correlações e regras que a prescrevem, nomeadamente a da causalidade.

Assim, o aparecer do mundo, determina a priori a estrutura fenomenológica do corpo mundano. Porém, nenhum corpo real foi de facto posto desse modo alguma vez. Porque a existência dos corpos que formam o conteúdo concreto do mundo, exige a intervenção da sensação. A tese de Kant não é senão uma ilustração, daquilo que reconhecemos como um traço geral e decisivo do aparecer do mundo: a sua indigência ontológica, a sua incapacidade para pôr por si mesmo o conteúdo que lhe permite aparecer, conferir-se existência, numa palavra “criar-se”.
Essa indigência manifesta, a propósito do corpo, conduz-nos a uma constatação paradoxal: este corpo – o nosso como qualquer outro – que encontra, sem duvida, o seu lugar no mundo e, desde sempre, parece pertencer-lhe, não é o aparecer do mundo. Este corpo não pode, precisamente por isso, de si mesmo prestar contas, pondo assim gravemente em causa a primeira via fenomenológica - a do mundo - para lhe circunscrever a natureza e prosseguir a análise.

O corpo mundano considerado na sua existência concreta – o conjunto dos corpos que “povoam” o universo, o nossos assim como os corpos de outros homens, de animais ou ainda os corpos inertes das “coisas”, todos eles são corpos sensíveis, isto é, que se podem sentir. Têm cores, odores, sabores, são sonoros, se lhes tocarmos, apresentam múltiplas propriedades tácteis – suaves ao toque, lisos ou rugosos, fendidos, sólidos como uma pedra, moles como a lama, secos e húmidos, ou ainda fugidios como a água por entre os dedos. É pelo conjunto destas propriedades sensíveis que, desde sempre, os corpos do universo se definiram aos olhos dos homens – cada um destes corpos não sendo senão um certo agrupamento de qualidades sensíveis, que determinam inteiramente o nosso comportamento a seu respeito, fazendo deles objectos agradáveis ou perigosos, úteis ou não, postos ao nosso alcance ou escapando-se-lhe. Assim, o mundo não é só um conjunto ordenado, mas também uma totalidade prática. Só que, nenhuma das qualidades sensíveis, que constituem os objectos componentes do nosso ambiente, deriva do aparecer do mundo. O mundo de que agora estamos a falar, já não é o mundo reduzido ao seu aparecer, mas sim o mundo considerado no seu conteúdo concreto, o mundo dos objectos reais onde os homens vivem e agem, é o mundo sensível. O mundo que deve este conteúdo sensível à sensação – a vida. É assim que o reconhecimento do carácter sensível do mundo e dos seus objectos, reenvia a fenomenologia do mundo para uma fenomenologia da vida.
Michel Henri por cbs

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quarta-feira, outubro 06, 2010
Do “mundo sensível”
É pelo facto da vida se revelar originariamente a si, na sua experiencia patética, a qual nada deve ao mundo, que todo o ser vivente sabe, com um saber absoluto – neste saber da vida que o engendra a si, permitindo-lhe experienciar-se a si mesma, e viver – o que nele há de vida e de si mesmo. Mas o pensamento encontra-se, em relação à vida, na mesma situação que este vivente. Ele não pensa primeiro para viver em seguida. Nunca é ele – partindo, de alguma forma de si mesmo – que se orienta para a vida para a descobrir e a conhecer. O pensamento não conhece a vida pensando-a. Conhecer a vida é obra da vida e só dela. É unicamente porque a vida vem a si, nesta vinda patética a si mesma, sempre precedente, que alguma coisa como a vinda a si mesma de uma visão - assim como tudo o que ela vê – por exemplo, pode acontecer. A inversão da fenomenologia é o reconhecimento deste prévio, que nos interdita referir a vida a um pensamento susceptível de a tornar manifesta, mas pelo contrario, refere o pensamento ao processo da auto doação da Vida absoluta, fora do qual nada há.
A inversão da fenomenologia é o movimento do pensamento que compreende o que vem antes dele: esta auto doação da Vida absoluta, na qual ela mesma advém a si. A inversão da fenomenologia pensa a precedência da Vida sobre o pensamento. O pensamento da prioridade da vida sobre o pensamento, pode muito bem ser obra de um pensamento – do que desenvolvemos agora – no entanto, ele só é possível porque, na ordem da realidade e, por consequência, da própria reflexão filosófica, a vida já antes, se revelou a si.
É pois, a vida, no seu cumprimento fenomenológico efectivo, que permite ao pensamento:
- Ser um pensamento, uma cogitatio.
- Ser, eventualmente, este pensamento particular, embora essencial, que procedendo à inversão, se mostra capaz de pensar a prioridade da vida sobre o pensamento, como sua condição interior. É pelo facto do pensamento dado a si mesmo, trazer a vida em si como sua própria substancia, que ele pode representar-se nesta vida, e produzir dela a imagem. Todo o método fenomenológico, que se esforce por pensar a vida, repousa nesta doação prévia, que não é obra nem da fenomenologia, nem do pensamento. É sempre a vida que torna possível a sua auto-objectivação no pensamento, como condição interior deste pensamento.
É esta prioridade radical da vida que o pensamento esquece, constantemente, ao tomar-se pelo princípio de tudo o que podemos conhecer, de tudo o que existe para nós. Este esquecimento revela-se particularmente catastrófico quando se trata de pensar o corpo, ou o que com ele se liga numa relação invencível, a carne – a nossa carne. Só a fenomenologia da vida, cuja possibilidade acabamos de evocar, permitirá abordar esta questão do corpo e da carne, à luz de pressupostos fenomenológicos novos, susceptíveis de esclarecer um domínio onde, desde sempre, reina a mais extrema confusão.
Michel Henri por cbs

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domingo, agosto 22, 2010
A experiência
“Pouca ciência afasta-nos de Deus. Muita ciência reconduz-nos a Ele” dizia Louis Pasteur

Os que sabem pouco convencem-se facilmente de que a Ciência pode substituir a Religião. Mas os que sabem muito, e estou a pensar em Einstein ou Max Planck, vêem que quanto mais avançam, mais se aproximam de concepções religiosas.
E o que mais me impressiona é o facto de filósofos e cientistas cada vez se aproximarem mais uns dos outros na terminologia a que recorrem. Desde Galileu que não se via nada assim. Em certo sentido já não existe luta entre o que reza na capela e o que busca no microscópio ou no telescópio. Creio que a capela e o laboratório cada vez se aproximam mais.

O pensamento segundo o qual o Universo é um todo, tem uma unidade, é-nos dado pela Ciência. Quer se trate de um físico, de um biólogo ou de um sociólogo, todos buscam algo que alimente a inteligência. Por isso é que entre materialistas e idealistas, crentes e agnósticos, há sempre uma plataforma comum: a experiência. Henry Bergson dizia isto: “para mim, a Filosofia resume-se neste princípio: a Totalidade existe antes das partes, o Objecto existe antes de termos os meios de o alcançar”

Parece-me a mim, que em certo sentido, a Eternidade existe antes do Tempo, ou dito de outra forma, o Todo existe antes das partes: é o filósofo a inverter os termos da equação!
Por aqui, nasce o fundamento do meu sentimento místico, mas confesso… confesso que a convicção é-me inata; para mim a é a grande Intuição, uma intuição no sentido bergsoniano, isto é, um dado imediato da consciência. Mas creio também, absolutamente, que é um Dom, que vem d'Ele.
cbs

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Phainomenon 2
Não passo de um gajo que o tempo deixou apreender alguma coisa, em parte erros certos. Que fique claro: não sou padre, nem cientista, nem filósofo.
Mas, como todos, penso, o que de algum modo me permitiu reconhecer Deus-Pai, e o Humano como irmão; e também aceitar religião e ciência; e igualmente, sintetizar tudo isto em filosofia. Modesta filosofia, contudo, para mim necessária.

O “aparecer no mundo” funda a religião; que se aprofunda pela filosofia; que se específica em ciências. Simétricamente a ciência, na qualidade mais funda, desagua sempre de novo em filosofia; e a filosofia desenvolvendo-se, só pode culminar de novo na religião.
É o que eu penso:
- O aparecer no mundo é o fundamento da religião
- O aparecer no mundo é o mistério último da ciência
- Entre a religião e a ciência paira a filosofia

Pode-se dizer com Kant que “o fenómeno é o que se manifesta do númeno. Este é que é fundamento de tudo”. Mas o que se mostra é o fenómeno! Repetindo o grande filósofo “se eu remover o sujeito pensante, todo o mundo material imediatamente desaparece, porque nada mais é do que uma aparição fenomenal na nossa sensibilidade de sujeitos, uma forma ou espécie de representação” É neste sentido que me permito dizer que o fenómeno é fundamento e mistério. Porque funda a crença de que existe algo mais além do fenómeno, seja a realidade última em si mesma – o númeno inatingível, por definição… kantiana – e como esse algo não se mostra inteiro, fica mistério.
cbs

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quarta-feira, agosto 18, 2010
Phainomenon
O aparecer no mundo, a que Immanuel Kant chamou phainomenon, é simultâneamente o fundamento da religião e o mistério último da ciência.
P’lo meio pairam filósofos...
cbs

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quinta-feira, julho 29, 2010
Damásio
As frases da Bluesmile: “A consciência humana (a consciência de si, o Self, ou o sentimento de si, de que fala o Damásio), assim como todas as experiências humanas subjectivas - perceptivas, sensoriais e místicas - nada têm de imaterial ou metafísico. Estão subordinados às leis da Física (mais precisamente da biofisiologia e da neuroquímica do nosso sistema nervosos central)” obrigaram-me a ouvir António Damásio. Mas para compreender a sua investigação, um termo fundamental a definir é “imagem”. Diz o cientista:
Quando utilizo o termo imagem, quero sempre significar imagem mental. Padrão mental é um sinónimo de imagem. Não utilizo a palavra imagem para me referir ao padrão de actividades neurais que pode ser encontrado, através dos actuais métodos da neurociência, nos córtices sensoriais quando eles estão activos – por exemplo, nos córtices auditivos em correspondência com uma percepção auditiva; ou nos córtices visuais em correspondência com uma percepção visual. Quando me refiro ao aspecto neural deste processo uso termos como padrão neural ou mapa.

Portanto, os cientistas recorrem a um termo - que antes usaram os filósofos; Bergson, nos Dados Imediatos da Consciência, por exemplo – fica logo claro que existe uma diferença essencial entre o que são padrões neurais de células, que podemos observar objectivamente num cérebro, e as representações imagéticas a que apenas o próprio pode aceder, mas nunca um terceiro. Os padrões neurais têm um carácter material, enquanto os padrões mentais têm um carácter imaterial, isto é, são imagens mentais, de acesso directo e pessoal.
E Damásio prossegue:
As imagens provêm da actividade de cérebros e esses cérebros fazem parte de organismos vivos que interagem com ambientes físicos, biológicos e sociais. Deste modo, as imagens surgem de padrões neurais (ou de mapas neurais), formados em populações de células nervosas (ou neurónios), que constituem circuitos ou redes.
Há, porém, um considerável mistério no que respeita à forma como as imagens emergem dos padrões neurais. O modo como um padrão neural se torna numa imagem é um problema que a neurobiologia ainda não resolveu.
Muitos de nós, neurocientistas, somos guiados por um objectivo e por uma esperança: encontrar, finalmente uma explicação abrangente para como o tipo de padrão neural que conseguimos presentemente descrever com as técnicas da neurobiologia, desde as de nível molecular às do nível dos sistemas, se transforma em imagem multidimensional, integrada no espaço e no tempo, de que temos a experiencia neste preciso momento. Um dia virá em que conseguiremos explicar satisfatoriamente todos os passos que intervêm desde o padrão neural até à imagem, mas esse dia ainda não chegou.
Quando digo que as imagens dependem de e surgem a partir de padrões neurais ou mapas neurais, em vez de dizer que as imagens são padrões ou mapas neurais, não estou a escorregar para um dualismo descuidado. Não estou a dizer que há um padrão neural por um lado e um cogito não material por outro. Estou simplesmente a dizer que ainda não conseguimos caracterizar todos os fenómenos biológicos que têm lugar entre:
a) A nossa descrição actual dum padrão neural, a vários níveis biológicos
b) A nossa experiencia da imagem que tem origem na actividade do mapa neural.
Existe uma lacuna entre o nosso conhecimento dos fenómenos neurais, a nível molecular, celular e de sistema, por um lado e, por outro, a imagem mental cuja génese queremos compreender. Existe uma lacuna que deverá ser preenchida por fenómenos físicos ainda não identificados, mas presumivelmente identificáveis. A extensão da lacuna e a possibilidade do seu preenchimento no futuro constituem, é claro, assuntos para debate. Seja como for, quero deixar bem claro que considero os padrões neurais como os progenitores das entidades biológicas a que chamo imagens. (Mistérios e lacunas do conhecimento na produção de imagens in António Damásio, O sentimento de Si)

Portanto, é aqui reconhecida a lacuna entre aquilo que chamamos “padrão neural”, agrupamentos de células de carácter objectivo e material, e aquilo que designamos (cientistas e filósofos, repito) por “imagens mentais”, representações integradas no espaço-tempo da consciência, aquilo que se designa por consciência alargada (por diferenciação com a consciência nuclear). Nestes últimos objectos (imagens) continuamos no escuro, cheios de uma esperança que nos guia. A ciência “acredita” que chegará o dia em que esse caminho, entre a célula e a imagem, será explicado passo a passo. Por agora, fica a “esperança”!

Chamo a atenção para que, a par da esperança (induzida por sucessos) há uma repetição da atitude “dogmática” que atravessa a ciência, desde a física clássica até à física quântica. Digo dogmática, porque, se bem que fundamentada (não é cega nem surda, como o dogma religioso) ainda não recolheu a humildade suficiente (que os erros igualmente deviam induzir) para deixar de ter certezas em relação a explicações futuras – quando Damásio afirma por exemplo, que “as imagens dependem de e surgem a partir de padrões neurais” – que nem sequer serão do domínio do provável, mas mais do desconhecido. E já deviam ter aprendido que, como disse o Hamlet “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a nossa vã filosofia”.
Mas também quero deixar explícito, que não me repugna, enquanto religioso e cristão, aceitar que o caminho será um dia explicado por fenómenos subordinados às leis da Física, da biofisiologia e da neuroquímica do nosso sistema nervosos central. Mesmo em termos religiosos, nós não existimos para acreditar, mas para conhecer, e uma coisa não impede a outra, como desde sempre fizeram os pensadores cristãos, mantendo a ligação entre fé e razão. Contudo a própria Ciência reconhece a existência de singularidades em que as leis da Física não se aplicam – buracos negros, por exemplo – e, ao menos provisoriamente, a imaterialidade das representações cerebrais, deixam as coisas em aberto.
Só que o problema em termos existenciais não fica aqui. Mesmo que as ligações se façam e expliquem, mantém-se o abismo que separa desde sempre, a materialidade do universo, dessa outra realidade que consciencializamos no fundo de cada humano. A diferença subtil, mas clara entre “ver” as coisas – vídeo – e “sentir que vemos” – videor – do binómio cartesiano videre videor. A investigação neuro-biológica “vê” o onde (localização cerebral) e o como (descrição do processo). Faltará o último porquê, que é objecto, não da descrição neurológica, mas da investigação fenomenológica: o fenómeno enquanto puro aparecer no mundo.
cbs

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terça-feira, julho 27, 2010
Os românticos e a realidade subjectiva
As questões levantadas pela Bluesmile na conversa com a Alexandra Solnado, levaram-me a reler António Damásio e reanalisar a relação entre religião e ciência, na minha perspectiva humilde.

Dizia Bergson que (Damásio refere sempre William James, ter-lhe-à faltado ler o francês) a inteligência humana se sente à vontade entre os objectos inertes, especialmente entre os sólidos, onde a nossa acção encontra o seu ponto de apoio. Que os nossos conceitos foram formados à imagem dos sólidos, e a nossa lógica é a lógica dos sólidos, por isso, a nossa inteligência triunfa na geometria, na qual se revela o parentesco do pensamento lógico com a matéria inerte, onde a inteligência só tem de seguir o seu movimento natural, para ir de descoberta em descoberta com a certeza de que a experiência a segue, e lhe dará invariavelmente razão.
Mas há, entretanto, uma outra dimensão. Uma dimensão interna que podemos observar em nós mesmos, uma realidade completamente diferente, qualitativa, composta de elementos heterogéneos que não podem ser separados uns dos outros, porque se interpenetram – sensações, sentimentos, volições, representações. Mudo sem cessar. Damásio aventa a hipótese dessa mudança sem se perder a "identidade", ser fruto de dois tipos de consciência em simultâneo, a nuclear variável, e a alargada mais consistente. Mudo numa realidade livre das leis da física, porque sem espacialidade mensurável, com uma duração sem tempo definido, em constante fluir, totalmente dissociada do tempo cronometrado das ciências. A multiplicidade da corrente da consciência, não apresenta semelhanças com a multiplicidade distinta que forma um número. Será de admitir então duas espécies de multiplicidades, uma qualitativa e outra quantitativa. Essa outra dimensão dominada pelo afecto, seria, segundo Bergson, a faculdade da intuição.

Diz-nos agora Damásio que:
Teria sido razoável esperar que no início do novo século as ciências do cérebro tivessem incluído a emoção na sua agenda de trabalhos e resolvido os seus problemas. Porém, isso nunca chegou a acontecer. Pior ainda, o trabalho de Darwin foi esquecido, a proposta de James foi injustamente atacada e sumariamente rejeitada, e a influência de Freud fez-se sentir noutra direcção. Ao longo da maior parte do século XX, a emoção não foi digna de crédito nos laboratórios. Era demasiado subjectiva, dizia-se. Era demasiado fugidia e vaga. Estava no pólo oposto da razão, indubitavelmente a mais excelente capacidade humana, e a razão era encarada como totalmente independente da emoção. Eis uma viragem perversa na perspectiva romântica da humanidade. Os românticos colocavam a emoção no corpo e a razão no cérebro, mas relegou-se para as camadas neurais mais baixas, aquelas que habitualmente se associam com os antepassados que ninguém venera. A emoção não era racional, e estudá-la também não o era. (Damásio, O sentimento de Si)

Em suma, no século passado, a ciência em geral tornou-se a campeã da racionalidade – a verdade determinada a partir do discurso lógico – atribuindo-se a si própria o exclusivo da objectividade (identificada com o conhecimento válido), negando a cidadania do credível aos descendentes das filosofias da emoção e da vida – Kierkgaard, Nietzsche, Bergson – que foram os existencialismos e as fenomenologias do século XX. Irónica situação, pois a cultura científica da objectividade e da razão, é ela mesma descendente do domínio da filosofia, em particular do positivismo comteano, e da longa linhagem racionalista - mais do que em Descartes, o erro culmina em Kant - que com Hegel, chegou mesmo a identificar a razão com o real. Como consequência disso, negou-se à intuição da fé qualquer acesso ao real – já que, no Amor de Deus residirá a essência da emoção, digo eu – relegando-a para o obscuro campo do mito e da crendice. Irónica situação ainda, porque a autoridade da razão assenta numa crença também, a crença de que a realidade tem uma estrutura inteligível, supostamente explicável pelo o instrumento racional. Curiosamente, a Ciência assenta na fé... numa fé iluminista.
cbs

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domingo, julho 25, 2010
Os racionais
Passando em revista a história luminosa da ciência humana, vejo um salto qualitativo quando Descartes foi buscar o método à Geometria – julgo que foi aí, que a dúvida começou a afastar a razão da fé – e daria depois o mérito a Galileu. Foi ele que iluminou as mentes e abalou os dogmas, ao introduzir o rigor da matemática na observação da Natureza, ao abrir caminho para o primeiro marco teórico da ciência moderna: a mecânica newtoniana.
Mas, no segundo quartel do século passado, tornou-se evidente que alguns fenómenos não podiam ser explicados pelas leis de Newton. Situavam-se no domínio dos átomos ou no domínio das galáxias. Para tais dimensões, infinitamente pequenas ou infinitamente grandes, onde os “corpos” se deslocam à velocidade da luz, Einstein inventou a mecânica relativista, mudando drasticamente as antigas concepções fundamentais da matéria, do espaço e do tempo. Na prática, a descrição clássica não ficou inválida, mas ficou restrita ao sistema físico onde nos movemos. De tal modo, que ficou difícil a muitos, tanto a ingénuos como a sábios racionalistas, integrar a nova física na mundivisão arrumada que tinham por adquirida.

Depois disso, na dimensão subatómica, alguns fenómenos mostraram há grandezas físicas que estranhamente, não assumem quaisquer valores arbitrários, como é regra na mecânica clássica. Assumiam apenas alguns valores restritos (quantuns) e para as descrever foi necessário inventar uma nova teoria: a mecânica quântica. Como já acontecera antes, a mecânica quântica revolucionou a nossa concepção do universo físico. E uma das mudanças foi a quebra do determinismo físico. Porque se na mecânica clássica é possível, conhecidos os dados, prever o movimento e a situação do objecto em instantes posteriores, na mecânica quântica, a possibilidade de prever o futuro de um sistema cede lugar à incerteza (princípio de Heisenberg) não permitindo conhecer, em simultâneo, a posição e a velocidade de uma partícula. Novamente foi difícil a muitos racionalistas – entre eles, o génio Einstein – absorver a mudança, dada a alteração implicada nas concepções já estabilizadas do mundo físico.

O que se vai vendo, é a aquisição de sucessivas mundivisões científicas, que em função de novos dados observados, entram em crise e desembocam em novas hipóteses explicativas. Essas hipóteses ou Teorias não mudam tudo, regra geral acomodam e integram grande parte do conhecimento anterior. Mas mudam a essência da visão do mundo, e cada novo patamar revoluciona a estrutura conceptual anterior. Contudo permanece a crença de o Universo tem uma estrutura racional, e de que após a investigação racional, a verdade será finalmente desvendada. Mesmo que a visão da Ciência hoje apareça com lacunas – logo, essencialmente errada – pensamos que com mais informação, com mais dedução e indução, chegaremos ao real escondido por detrás das aparências, que um filósofo chamou numenal. Eu diria que é uma visão de fé, uma visão muito cristã…
Vejo nitidamente (convictamente) uma Luz na distância. Os racionais dizem-me que é uma ilusão, uma miragem da mente onde nada se distingue de concreto. Concretos são os passos que dão. Centrados nos próprios passos, olham os pés, não levantam o olhar. Mas eu que sou coxo no andar, sinto que vejo algo ao longe, onde Alguém me disse para olhar. E por vezes, parece-me que os racionais, como que perdidos andam para trás.
cbs

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terça-feira, julho 20, 2010
Detesto a palavra "rezar"
Detesto a palavra "rezar". Detesto a sua horrorosa fonética (rrrrrzzz), a pesada conotação religiosa Católico-Romana que lhe é própria, mas principalmente a carga opressiva e punitiva que ela arrasta consigo. Custa muito dizer "orar"? Não. Custa muito orar? Custa.


Jorge Oliveira

Publicado também no meu blogue CANTO DO JO (que lamentavelmente não se faz referência aqui ao lado)
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segunda-feira, julho 19, 2010
Monguices IX
A consciencia nuclear é o primeiro dado imediato de que falou Bergson, a primeira intuição de que quase nem nos damos conta, de tão evidente. É conhecimento directo, não mediatizado. Depois começámos a mediatizar, a separar "eu penso, eu existo,..." e as coisas complicaram-se.
O conhecer intuitivo é como algumas imagens virtuais que vêmos num espelho fosco; quando as fixamos esfumam-se, quando intelectualizamos vai-se a magia. Mas deixam marca, fica uma convicção... profunda. Claro que a intuição, tal como a razão, engana-se. E também acerta.
cbs

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sexta-feira, julho 16, 2010
Monguices VIII
A essência das coisas não consiste em ideias, e o pensamento não é capaz de compreendê-la completamente; mas, porventura noutras formas da sua emotividade, o espírito inteiro vive o sentido essencial do ser e do agir.
A sombra da antiguidade, numa nefasta sobrevalorização do logos, ainda se estende largamente sobre nós, e não deixa ver o real, ou aquilo porque, o real é algo mais do que só razão. São erros antigos...
cbs

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Um
Um nasce sozinho, vive a fingir que pertence a alguma coisa, entretido com o que os outros dizem e fazem, e acaba por morrer fechado dentro da sua mente, se tiver sorte, com Deus.
João Leal

o "se" faz toda a diferença... e não é uma questão de acaso, nem de sorte ou azar. É uma evidente questão de afecto.
cbs

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terça-feira, julho 13, 2010
Alexandra Solnado vs Planck



Estou a ler o livro de divulgação cientifica “Mundos Paralelos”, do físico Michiu Kaku (Bizâncio). Buracos Negros e Brancos, Cordas, Supercordas, 5, 10 e 11 dimensões, membranas, física quântica, Einstein, Wheeler, Newton, etc. O cientista pretenda dar ao leitor comum um cenário do que se tem passado na Cosmologia e apresenta um ror de teorias, não só dele, mas de outros, de modo a que se perceba para onde vai a Física Teórica neste século XXI.
Se ao inicio, desde Newton, a coisa é fácil de perceber, quando entra a física quântica está tudo perdido para mim. Mas continuo até ao fim, porque, mesmo já não conseguindo acompanhar tudo, o que consigo perceber vale mesmo a pena. Percebi, há muitas páginas atrás, que o senso comum não pode ser chamado à leitura.
Hoje, embrenhado (atado num emaranhado?) de cordas, supercordas e membranas, Universos Paralelos a 1 milímetros do nosso e, a teoria mais engraçada de todas, que o nosso Universo é um Holograma de um outro com mais uma dimensão, penso ter percebido que da Observação Experimental, que foi a base exclusiva da física, hoje, e perante o ter-se atingido limites tecnológicos da observação, já muita coisa é teórica. Ou seja, não pode ser experimentado e só existe num mundo de lógica matemática.
Este ponto fez-me reflectir. A matemática é lógica. A lógica é falível, tal como demonstram as teorias que destronam outras. A física experimental tende a andar assim num mundo subjectivo, por muito que nos custe e espante. Há uma tendência para criar modelos teóricos. Aliás, o Santo Graal da Física é a tal teoria unificadora de tudo, que se espera que possa unir todas as ideias matemáticas que se parecem contradizer e anular.
Depois, extrapolei isto para a economia e para sistemas políticos. Parece-me que se passa exactamente o mesmo. Aplicam-se modelos que se espera que funcionem quando postos em prática.
De facto, muitas das decisões que Homem toma parecem basear-se na tentativa de predição. Às vezes a prática demonstra que vale a pena seguir o que os modelos disseram para se fazer e outras há falhanços clamorosos.
De subjectividade em subjectividade, o Homem vai tentando a objectividade. Chamemos-lhe intuição, fé, palpite ou modelo, o sentimento religioso, cientifico ou sociológico comandará sempre as acções. Porque há-de a certeza religiosa individual ser tão posta em causa, quando quase tudo no mundo parece ser uma questão de palpite inverificável?

JLeal
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segunda-feira, julho 12, 2010
Monguices VII
O Evangelho põe-se para mim, em duas zonas distintas: eu e os outros. Mas primeiro, eu. Como será evidente, não há ponto de apoio, que não seja a experiencia pessoal.
Quanto aos outros, parece-me que a forma mais eficaz de os evangelizar, de lhes dar a conhecer o Pai, é o nosso exemplo de vida. Não querer convencer ninguém, falar pouco, mas ser justo e colocar a nossa fé em cada coisa. No fundo, sem querer mudar o Mundo, mudá-lo mudando-nos a nós mesmos… sem relâmpagos na estrada de Damasco.
cbs

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